21 de jul. de 2012

Uma nova visão para os super-heróis, e porque o Coringa não pode vencer!


Profundamente triste e desejando acordar e descobrir que tudo não passou de um pesadelo. Assim estive a manhã inteira, ao receber as notícias sobre o massacre ocorrido em um cinema americano durante a estreia do filme Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

Doze pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas na cidade de Aurora, Colorado, quando um jovem louco, usando máscara antigás e colete à prova de balas, entrou no cinema com o pretexto de assistir o filme, na sessão da meia-noite, e durante uma cena de tiroteio, acionou uma cápsula de gás, esperou que ela explodisse e em seguida atirou indiscriminadamente contra a plateia.

As pessoas estavam lá para assistir um filme que reinterpreta o personagem Batman; o terceiro e último de uma trilogia conhecida pelo seu tom "realista". Ao ser preso, o jovem James Holmes, estudante de medicina com os cabelos pintados de vermelho, afirmou ser o vilão Coringa. E ele era.

Em seu apartamento estudantil, explosivos sofisticados, em seu carro, armas. Ele se tornou um supervilão. Realista. Doze pessoas, entre milhares que estavam lá para se divertir. Morreram de verdade. Realista. Foi um massacre realista.

Logo os esquerdistas americanos começaram a colocar a culpa nas armas. Para eles, se a venda de armas fosse proibida nos EUA, esses massacres não ocorreriam. Os esquerdistas brasileiros se apressaram em colocar a culpa na cultura americana, no modo de vida capitalista, que produziria uma "alienação". Em artigos horrivelmente estúpidos como este da Folha de São Paulo, a tragédia foi associada a pessoas americanas, brancas e de classe média com acesso legal a armas de fogo.

Não se levou em consideração que massacres desse tipo não dependem da venda legal de armas e não ocorrem somente nos EUA, como o Brasil pode saber um ano atrás, quando um jovem matou crianças em uma escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Ele era brasileiro, mestiço, de classe baixa, e comprou suas armas ilegalmente.

Outros comentaristas reclamaram do excesso de violência em filmes e gibis. Mais erro. Violência na cultura pop sempre existiu. A diferença é que, antes, ela era contextualizada. Hoje ela é apenas "representação da realidade", ou uma "base para a relativização de valores", como nos filmes atuais de Batman, onde os vilões parecem descolados e fascinantes e são mais atraentes que o herói.

Mostrar ou não mostrar violência em filmes e gibis depende apenas do contexto. Se ela é vista como um mal e derrotada, ela é parte do jogo. Se ela é uma justificativa atraente para a crise de valores do mundo atual, uma saída para mentes confusas, é outra coisa. Que a violência mostrada leve a ataques de loucos deverá ser inevitável, dependendo da maneira como o assunto é contextualizado.

Alguns dizem que não é hora para discutir, que devemos apenas lamentar as vítimas. É verdade que devemos respeito a dor dos familiares, mas infelizmente, a emoção não pode, nem mesmo neste momento, superar a razão, e devemos refletir sobre o que aconteceu, por mais que seja doloroso.

Eu refleti pouco, porque eu já tinha pensado nisso tudo, eu já tinha até previsto.

Uma coisa que venho falando há meses neste blog, com relação aos super-heróis, e pela qual sempre sou muito criticado, é que nós perdemos a maneira correta de representá-los e apreciá-los. Os super-heróis deveriam representar o triunfo dos valores do bem, da verdade e da justiça sobre o mal, a mentira, a injustiça e o crime. É para isso que eles existem, ou pelo menos existiam até umas décadas atrás, e por mais que isso possa parecer ingênuo e descabido no confuso e perverso mundo moderno, é dessa forma que eles deveriam continuar a ser representados.

Os super-heróis não existem e não deveriam existir para qualquer questionamento, transvaloração ou relativização de valores. Os vilões, se o fizerem, e eles sempre o fizeram, deverão ser derrotados. Um erro que sempre aponto nas histórias modernas de super-heróis é o desvio de seu modelo clássico. Já repeti isso tantas vezes e tantas vezes alertei sobre seu resultado negativo que já até cansei de dizer a mesma coisa sem ser ouvido.

Hoje parece a determinados autores que é mais importante caracterizar Batman como gay, "capitalista opressor" ou doente mental do que como Herói combatente do crime. Parece que a determinados autores seus conceitos morais, mesmo distorcidos, são mais importantes do que a essência do herói. E parece a determinados autores que sua reputação como artista é mais importante do que tudo.

Cansado de ver os super-heróis se tornarem, nos filmes e gibis, menos importantes e, por infeliz e terrível fatalidade, menos inspiradores do que os vilões, eu questionei diversas vezes neste blog sobre os limites entre ficção e realidade.

Em 5 de agosto de 2011, eu escrevi aqui:


"Desde o 11 de Setembro até a atual onda de ataques terroristas pelo mundo, me pergunto o quanto pode uma HQ influenciar a realidade ou prevê-la. Quem garante que não há, ai pelo mundo, um louco com delírios de V ou Adrian Veidt? V se inspirou em Guy Fawkes, Adrian Veidt se inspirou em Alexandre, quem irá se inspirar neles? Já conheci pessoas que não distinguem a realidade da ficção, mas eram pessoas inofensivas, apenas loucos que não poderiam agredir ninguém além de si mesmos. Mas e se não for assim? E se essas pessoas tiverem a rigidez moral, a capacidade intelectual e as condições materiais para realizar monstruosidades de ficção, imbuídas da ideia de que estão transformando o mundo para melhor?

Recentemente tivemos o caso do atirador norueguês, um maníaco de direita que achava que estava livrando a Europa do Islamismo. Quantos loucos como esse não poderiam achar inspiração em V de Vingança ou Watchmen? Não interessa se o ideal é de esquerda ou direita. Na cabeça de um fanático, ele sempre está certo. Mas como sabemos, ele nunca esta.

Você sabia que Hitler se inspirou em uma ópera?

Por enquanto o que temos são adolescentes utilizando máscaras engraçadinhas e zoando sites do governo e de empresas a partir do porão de suas mamães. Mas o que teremos no futuro? Qual a influência dos quadrinhos na realidade? Como eles poderiam construí-la de forma positiva?"

Infelizmente, tive de viver até a manhã de hoje pra ver meu sortilégio se revelar na realidade em um cinema americano.

Quando digo que os super-heróis e personagens de ficção nos influenciam, e que por isso devemos ter cuidado com o conteúdo de suas histórias, sou ofendido de todas as maneiras. Acham que sou um moralista antiquado com desejo de purificar a ficção. Quando vejo os fatos, como o de ontem, apenas lamento a maneira como ocorre essa influencia, sabendo que ela é inevitável. O Coringa de Christopher Nolan literalmente saiu das telas e matou doze pessoas, feriu setenta. Vão dizer que não existe influência? Vão dizer que não existe algo de errado?

A reinterpretação de Batman e seus vilões com uma suposta visão realista, moralmente ambígua e pouco divertida, nada edificante, mas saciadora de egos doentios, deu o seu maior fruto ontem. E não foi mais um bilhão de bilheteria, mas a vida de doze pessoas e a alma de um pobre rapaz.

Precisamos neste momento, muito mais do que lamentar as vítimas ou tirar proveito político desse fato, precisamos realmente rever o que estamos fazendo com o conceito de super-heróis. Parar de utilizá-los como semeadores de confusão moral ou intelectual, e acima de tudo, recuperar sua riqueza e simplicidade infantis. Suas histórias existiam para nos inspirar a grandes feitos, não para nos afundar na loucura. Eram os heróis que importavam, seus valores e ações em prol do bem; os vilões nunca foram fascinantes.

Não é proibindo armas ou tirando a violência dos filmes e gibis, mas sim mudando a relação que temos com os super-heróis e nossa maneira de retratá-los que vamos evitar que surjam mais loucos como James Holmes. As histórias que nos divertiam quando eramos crianças deveriam voltar a nos inspirar a fazer coisas boas ou simplesmente voltar a nos divertir. Nunca deveriam servir para nos mergulhar na loucura e nas trevas. O Coringa nunca deveria vencer. James Holmes não estaria condenado e doze pessoas não estariam mortas.



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10 Comentários:

Unknown disse...

engraçado é que quando acontece a mesma coisa e o tal atirador cita religiões, ninguém diz a mesma palavra "influencia". Adoro a hipocrisia dessas pessoas, deixei de saber se vilão ou certos temas são influencia para algumas pessoas sem equilíbrio... nem vou discutir sobre os metidos a profetas e prever esse tipo de coisa, claro, muito fácil prever, é praticamente natural isso acontecer, seja por filme, religião, futebol, bla bla bla, o engraçado é que quem diz que preveu, sempre guarda isso pra si e só divulga depois que acontece, típico. Não seria justo quem escreve esse tipo de artigo e aponta a tal influencia, também propor soluções?

Unknown disse...

Pegar o Batman ou o Superman como influencia ninguém quer... saber porque? porque é nobre demais para o ser humano, mais fácil é fazer merda e colocar a culpa em coisas fantasiosas ou de ficção. O cara matou: Culpa do demônio. O cara matou: culpa do vilão dos quadrinhos... tsc, parece que o ser humano é perfeito demais pra assumir os erros. Sempre tem que existir a influencia, o motivo, a desculpa, e a consciencia dos atos parece que é esquecida em casa quando sai pra fazer merda.

shinobi disse...

influencias existem em todos os lugares, mas na minha opinião so pessoas de mente fraca ou problemas psicologicos se deixam levar, leio hqs e assisto animes a muito tempo e violencia sempre foi uma marca constante mas sempre soube separar realidade e ficção

Ricardo Alves Soares disse...

Desde de que o mundo é mundo, merdas acontecem. O mundo já acabou diversas vezes e provavelmente vai "acabar" mais outras diversas e mesmo assim, o ser humano pouco evolui mentalmente. Sempre vão existir pessoas dispostas a matar a troco de nada ou a troco de algo que nunca vamos entender.
O que aconteceu foi uma fatalidade e ponto. Um cara aqui no Brasil, pilota uma carreta de 25 metros chapado e acerta um ônibus ceifando 40 vidas, a morte é diferente? Hitler matou milhões, a igreja católica matou outros milhões, os islâmicos já mataram outros e assim vai, cada era tem seu carma. Nós culpamos os filmes, gibis e tals, e qual desculpa se tinha a milhares de anos atrás? Nos impérios, Salamão, egipcio, Romano e americano....o que muda???

Heráclito disse...

olhe, em momentos como este, mais do que corriqueiramente, as pessoas tendem a exagerar o poder da sugestão. Essa mesma discussão foi levantada no caso de Columbine, e certamente o será quando algo assim acontecer novamente, pois certamente isso irá se repetir. Para o bem ou para o mal, a sugestão existe, mas ela não é tão poderosa quanto costuma se pensar em momentos como esse, só se sugestiona quem pode ser sugestionado. Alguém normal, que não estivesse em delírio, certamente não pensaria ser um supervilão, e o seu texto flerta perigosamente com o facismo ao sugerir que há uma forma adequada e ortodoxa de tratar os vilões, e uma errada e que descamba nisso. Para o bem ou para o mal, existem pessoas loucas, algumas delas violentas, e que teriam se influenciado por outras imagens caso não existisse o coringa dos filmes de Nolan. É fácil fazer um sortilégio falando de uma tragédia, pq tragédias acontecem, sempre, e esse tipo de tragédia tem acontecido com certa regularidade nos USA, creio que é preciso compreender melhor os mecanismos psquicos da sugestão, já amplamente estudados,desde os tempos de Freud, antes de se arvorar a julgar o coringa e os vilões dos filmes por não serem maniqueístas...

Leonardo Vasconcelos disse...

Não acredito que vivi pra ler isso. Que raciocínio é esse que tudo na vida precisa ser edificante ou com um propósito educativo? Achar que o ensino da moral é feito por um gibi ou um filme é algo extremamente imbecível.
Esse mundo onde tudo se polariza entre o bem e o mal, certo e errado não reflete as nossas decisões e obviamente a realidade.
To impressionado com tanta besteira escrita.

ANDREIBLOG disse...

muito bom ! aqui no brasil temos muitos exemplos de novelas com finais bizarros com ,fina estampa passione.que dizem nas entre linhas que o vilão sempre consegue o que quer

Luiz Fernando disse...

Concordo com o texto, em partes.

Discordo que o excesso de violência e realismo tenha servido de inspiração para que o maniáco tenha feito fez.

Quem quer fazer esse tipo de bobagem pode pegar inspiração até em propaganda de iogurte. Basta que aquilo faça sentido dentro da cabeça do maluco em questão.

Mas, concordo sim, que os heróis estão perdendo seus valores em troca de um realismo que não deveria caber em suas histórias. Afinal, de realidade violenta já temos o suficiente todos os dias, não é? Heróis deveriam servir pra nos inspirar a buscar o nosso melhor, não pra nos mostrar as mazelas de nossa sociedade.

João Amaral disse...

Estou impressionado com este artigo.

João Amaral disse...

Continuando: Estou realmente impressionado com este artigo. Realmente sinto falta de quando os personagens de quadrinhos eram mais icônicos (acho que é assim mesmo que posso descrever.). Os dramas, dificuldades e etc. eram específicos (Peter Parker com poderes, responsabilidades e contas a pagar), Superman (atuar sempre com fé na humanidade, não simplesmente resolvendo tudo, mas atuando nas emergências e inspirando, tal qual Moisés o inspirou em sua concepção) e etc. Se queria algo mais denso ou violento, comprava uma graphic novel (com sua devida censura) nas bancas. Hoje não é mais assim: serial killers nos gibis do Batman, polêmicas sexuais entre outras coisas em vários gibis de heróis. Acho melhor produzir eu mesmo o que eu quero ler e frequentar apenas sebos.

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